(Foto: Ney Marcondes/Diário do Pará)
Desde que o filho completou dois anos e meio, a professora
de redação Marcela Castro deu início a uma jornada. Bater de porta em
porta em busca de uma boa escola. “Procurei todas as grandes escolas
particulares de Belém, sempre com o intuito de propiciar o melhor
acolhimento a Lucas”. Com sete anos de idade, Lucas é filho de Marcela
com o também professor de redação Raimundo Vieira. Portador de autismo, o
menino integra a parcela dos 95% de crianças, entre 6 e 14 anos de
idade, com deficiência que estão na escola. Um percentual que apesar de
alto não implica motivos reais para comemorar.
O preconceito e a falta
de conhecimento das leis ainda deixam um grande contingente delas fora
da rede regular. O pouco preparo dos professores para atender Lucas, e
os demais alunos portadores de necessidades educacionais especiais, ou o
pouco apoio dado a esses profissionais fazem com que, em alguns casos, o
direito de estudar seja exercido pela metade por esses estudantes.
“Passamos por tudo. Desconhecimento, preconceito por parte de profissionais e dos pais
das crianças. A escola em que ele estuda é pequena, acolhedora, mas só
vai até o 3°ano, não sabemos o que faremos depois. Lucas já está no 1°
e, em Belém, caso o próprio responsável não pague a mensalidade integral
e uma facilitadora, dificilmente o processo de inclusão será
garantido”, desabafa Marcela que já matriculou o filho em quatro escolas
diferentes.
Apesar de garantido pela Constituição, o acesso de pessoas com deficiência à educação de qualidade,
e gratuita inclusive, ainda é um desafio. Mesmo com o reconhecimento
dos direitos das pessoas com deficiência sendo consolidado ao longo dos
anos e com o progressivo aumento no número de matrículas na rede regular
de ensino, ainda falta muito. Em 2005, segundo dados do Censo Escolar,
foram realizadas em todo o país 262.243 matrículas de pessoas com
deficiência. Seis anos depois o número saltou para 558.423. Considerando
que de acordo com dados do último censo populacional do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 46 milhões de brasileiros
têm algum tipo de deficiência (mental, motora, visual ou auditiva), o
‘troféu’ aponta a ferida.
“No Pará, somos sete milhões de
pessoas e mais de 1,7 milhões delas com algum tipo de deficiência, o
equivalente a 23% do total. Esse é número muito significativo e ao mesmo
desproporcional às políticas
públicas implementadas no Estado. Não há justificativa, o
reconhecimento e a consolidação dos direitos das pessoas com deficiência
no âmbito da legislação vem de anos. O Estado, em todas as esferas, já
deveria ter se adaptado”, critica a advogada e doutoranda em ciências
sociais com foco em direito educação, Flávia Marçal. Segundo ela, desde
1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o mundo vem
fortalecendo esse direito. No Brasil, a partir da Constituição Federal,
de 1988, a legislação foi ficando mais rigorosa em relação ao assunto.
“A Constituição é a lei maior, mas com o tempo fomos observando a
necessidade de reafirmar esse direito e outros documentos foram sendo
criados. Na prática, não vemos escola nenhuma rejeitar uma pessoa com
deficiência. A direção sabe que é crime e pode incorrer em prisão, mas
há uma barreira mais velada. A que se mostra através da dificuldade e do
argumento de que não há estrutura para o atendimento. Esse é um desafio
a ser superado”, afirma.
“Eu, na verdade, questiono essa tal educação
inclusiva porque no papel é tudo muito bonito, mas a realidade é outra,
bem diferente. Eu gostaria de ver a minha filha numa escola apropriada
em que ela pudesse de fato se relacionar e aprender, mas hoje eu posso
falar por experiência, nossos filhos são apenas jogados na sala e ficam
lá em um mundo completamente à parte”, desabafa a dona de casa Odineia
Magno dos Santos, 42, mãe de Karoline, 13, aluna do sexto ano em uma
escola pública localizada no bairro do Cordeiro.
Karoline nasceu com um comprometimento
cerebral que lhe causou um atraso nas reações cognitivas, além da
dificuldade na fala, tem um processo de aprendizagem mais lento de
acordo com a mãe. “Está na quinta série junto com outros alunos ditos
normais, mas não lê, não escreve. Sei que a minha filha é capaz e que só
precisa de um tempo e uma atenção diferenciada. Tanto que o avanço que
tem se deve ao trabalho na APAE”, afirma a mãe que duas vezes por semana
leva a menina para atividades especializadas no Centro de Atendimento
Educacional e Especializado da Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (CAEE-APAE) no horário oposto ao da aula regular. “Na
escola dela não tem a sala especial para esse serviço. Mas eu tô sempre
lá. Participo, indago, brigo. Ela vai pra escola porque temos muita
força, não é fácil”.
Cilene Cascaes Barros também sonha com uma
escola melhor para o filho. Com 14 anos, Gustavo Matheus reluta em
frequentar as aulas e a mãe que sonha em ver o filho vencendo desafios
esforça-se para convencer o menino e a si mesmo. “Ele reclama muito da
escola e dos coleguinhas e percebo que ele fica isolado. Não tira a
tarefa do quadro, não acompanha as atividades. Eu fico triste, mas ao
mesmo tempo me perguntando como posso cobrar essa professora se ela tem
que dar conta de 49 alunos?”, reflete Cilene.
Técnica de apoio à inclusão na APAE, Núbia
Cristina Nunes resume: “A inteligência é uma característica da espécie
humana e está sempre apta a se atualizar. Ninguém é capaz de definir
quanto uma pessoa pode aprender. Mas, como educadores, temos sempre que
contar que todos vão progredir. Pessoas com deficiência são pessoas
capazes e têm que ter o direito de desenvolver suas habilidades
garantidas. A escola só ensina todos quando fica atenta à necessidade de
respeitar o ritmo e observar as capacidades de cada um, em vez de
enfatizar as limitações”.
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