Era madrugada de terça-feira, em setembro do ano passado, quando uma mãe desesperada discou 190 para pedir socorro à Polícia Militar. O filho recém-nascido havia parado de respirar depois de engasgar durante a amamentação. Do outro lado da linha, o soldado Leandro Prates, que estava na corporação havia dois anos, formado em primeiro lugar na Escola de Soldados, começou a colocar em prática lições que havia aprendido. 'Ponha a criança de bruços sobre as pernas e dê tapas leves nas costas', recomendou. A menina voltou a respirar. 'Um dos meus sonhos de criança era ser policial', diz.
Dois dias depois, na quinta-feira, com a farda guardada no armário, Prates disparava para realizar seu segundo grande sonho de infância, no Centro Olímpico de São Paulo. Correu 1.500 metros em 3 minutos e 42 segundos, chegando em primeiro lugar no Troféu Brasil, principal prova do circuito brasileiro. Era seu primeiro resultado de expressão nacional. Em uma carreira que decolou.
O ápice veio na semana passada, em uma das provas mais emocionantes do atletismo no Pan-americano de Guadalajara, quando ganhou o ouro por uma diferença de 62 centésimos do equatoriano Byron Piedra, que ficou em segundo lugar. A vitória só veio porque o soldado-atleta soube explorar na prova suas principais qualidades: o apreço pela estratégia e a gana de vencer.
Prates chegou ao México apenas com o nono tempo entre os competidores. Trazer uma medalha já seria um feito gigantesco. Acontece que, nos grandes torneios, a tática usada pelo corredor acaba fazendo a diferença. 'Tentei ficar entre os três primeiros nos 500 metros finais. Depois disso é entrega', explica. A humildade, outro traço de Prates segundo seus treinadores, se revelou nas imagens de TV. Enquanto o equatoriano comemorava, achando que havia ganho, o soldado aguardava. Até que veio a notícia do ouro.
'Em casa, pulávamos eu, minha mulher e meu filho de 4 anos. Foi uma enorme emoção porque me veio na cabeça tudo o que ele fez para conseguir chegar aonde chegou', conta o assessor esportivo Luiz Fernando Bernardi, que coordena a equipe de corrida de rua Find Yourself, seu primeiro treinador e responsável por trazer o atleta para São Paulo, em 2003.
Londres-2012. Nascido e criado em Vitória da Conquista, na Bahia, o interesse de Prates pela corrida foi despertado quando ele tinha 17 anos. 'Eu era caladão na escola quando me chamaram para participar de uma corrida de 6 km. Ganhei em primeiro lugar e fiquei um pouco mais popular no colégio. Vi que era o que eu gostava', conta.
Pela internet, entrou em contato com aquele que seria seu técnico paulista, que lhe passava treinos por telefone. Os bons tempos deixaram o técnico virtual empolgado. Bernardi lhe ofereceu emprego e lugar para morar. Amigos do grupo de corridas de rua, executivos bem-sucedidos que disputam provas pelo mundo, ainda toparam bancar a ajuda de custo.
A ida para a Polícia, além de sonho antigo, foi o caminho encontrado para evitar a busca desgastante por patrocínios que recomeçavam do zero ao final de cada ano. A medalha de primeiro lugar na formatura ele sempre usa no uniforme. Prates conta que a disciplina e o foco permitiram que ele conseguisse trabalhar e treinar em alto nível ao mesmo tempo.
O primeiro trabalho na PM foi nas ruas do centro da cidade, tarefa que o levou a flagrar um furto de carro e a prender o acusado em flagrante. Nunca precisou atirar em ninguém, nem dar piques atrás de ladrão. Saiu das ruas em seguida e foi deslocado para o 190, onde ficou por dois anos. Atualmente, está na Escola de Educação Física da PM, a primeira do Brasil, que completou 100 anos em 2010.
Pode agora treinar e trabalhar com mais empenho. O próximo sonho é Londres-2012. Prates tem até o ano que vem para alcançar o índice olímpico de 3 minutos e 36 segundos. São 4 segundos a menos do que sua melhor marca. 'Acho que é possível. Só que pensaremos na medalha depois. Um passo de cada vez. Foi o que funcionou no Pan', diz o atual treinador, Adauto Domingues.
Melhor soldado de sua turma, Leandro Prates conquistou o 1º lugar no pódio nos 1.500 metros em prova emocionante.

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