Foto: Ramiro
Furquim/Sul21
Relatório
da ONU pede que Brasil garanta que todos os crimes cometidos por
agentes da lei sejam investigados de maneira independente
Rachel Duarte
A
recomendação do relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU,
divulgado nesta quarta-feira (30), pedindo o fim das polícias militares
no Brasil foi considerada superficial por especialistas e profissionais
da segurança pública brasileira. A sugestão foi dada pela Dinamarca,
cobrando a redução nas execuções feitas pelo Estado brasileiro. Porém,
entendidos na área consideram que esta medida não resolveria o problema
da prática policial que reflete altos índices de letalidade, corrupção e
violação dos direitos humanos no Brasil.
O
relatório da ONU ressalta que o Brasil precisa garantir que todos os
crimes cometidos por agentes da lei sejam investigados de maneira
independente, a fim de combater a impunidade dos crimes que calam juízes
e ativistas de direitos humanos. Neste aspecto, o secretário-geral do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, concorda
com a entidade internacional. “Sou contra a Justiça Militar, mas não
defendo o fim de toda a instituição. O que tem que acabar, para evitar a
impunidade dos casos de violação dos direitos humanos cometidos por
alguns policiais, é a Justiça Militar. Porém, defender o fim da Polícia
Militar empobrece o debate da segurança e isenta as responsabilidades do
Ministério Público e da Polícia Civil”, acredita.
Sociólogo paulista Renato Lima defende que pedir apenas extinção da Polícia Militar é "leitura superficial" do problema
Foto: Divulgação
Conforme
Lima, não é cabível alimentar o debate sobre o modelo ideal de
segurança no Brasil com foco apenas na extinção da polícia fardada. “É
uma leitura superficial do problema. Precisamos pensar uma reforma do
modelo de segurança. Precisamos discutir o que o Brasil precisa partindo
da reflexão sobre como organizar o tipo de polícia que queremos. Temos
ruídos entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, mas o problema não
está em apenas uma das instituições”, exemplifica.
Consultor
gaúcho em Segurança Pública e Direitos Humanos, Marcos Rolim também
concorda com a necessidade de uma reforma da segurança pública, sem o
fim da Polícia Militar, como solução para os problemas do Brasil.
“Polícia militar existe na Espanha, na Alemanha, no Chile. O desafio é
reformar a polícia brasileira, que tem o ciclo dividido. Aqui é o único
lugar do mundo em que se divide patrulhamento e investigação em duas
polícias. É um modelo esquizofrênico o adotado no Brasil, em que a
Polícia Militar faz metade do trabalho e a Polícia Civil faz a outra”,
defende.
Por outro lado, o desafio da reforma
das polícias no Brasil, apesar de estar evidente aos olhos dos gestores e
políticos, não está sendo enfrentado, defende Rolim. “É necessário
alterar a Constituição Federal. O tema está posto em debate há tempo e é
decisivo para mudarmos o modelo da segurança”, fala.
“Recomendação da ONU parte do horror com a letalidade”, diz Rolim
Os
flagrantes e denúncias de casos de abuso da força policial no Brasil
estão cada vez mais expostos. Porém, as formas de enfrentar o problema
estão associadas a uma mudança estrutural mais profunda, acredita o
sociólogo Renato Sérgio de Lima. “São práticas abomináveis, mas não
podemos culpabilizar uma única instituição. Devemos ter uma reforma mais
substantiva para mudar esta realidade, que envolva a redução da
letalidade, a eficiência nas investigações, a corrupção policial e
garanta a preservação dos direitos. Temos que acabar com os abusos
combatendo a fragilidade do sistema de segurança como um todo”, explica.
"Ideia
de que a Polícia Civil é mais eficiente ou democrática nem sempre é
verdadeira", argumenta Marcos Rolim
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O
gaúcho Marcos Rolim acredita que as truculências policiais e os índices
de pessoas mortas pelos homens de farda no Brasil repercutem
internacionalmente devido ao contraste no modelo de segurança brasileiro
em relação às outras nações. “As democracias mais consolidadas no mundo
têm um padrão muito mais civilizado e o tratamento da polícia
brasileira acaba causando espanto. A letalidade policial é grande no
Brasil. A recomendação da ONU parte deste horror com a letalidade”,
afirma.
De acordo com Rolim, no Rio Grande do
Sul o maior problema são os abusos da força e de autoridade pela Brigada
Militar. “O quadro se agravou no último período e sem uma resposta
eficiente do Estado”, critica. Ele acredita que a atuação no
policiamento ostensivo torna a Polícia Militar mais exposta a situações
em que podem ocorrer abusos. “É uma polícia maior e que aborda pessoas
todos os dias na rua. Mas a ideia de que a Polícia Civil é mais
eficiente ou democrática nem sempre é verdadeira. Há relatos de torturas
nas investigações da Polícia Civil. O abuso não tem a ver com o tipo da
polícia e sim com a forma com que as instituições se organizam e fazem o
trabalho”, defende.
Embora contrário à extinção da Polícia Militar, Leonel Lucas admite que é necessário mudar a formação de policiais no país
Foto: Abamf
O
presidente da Associação Beneficente Antonio Mendes Filho (ABAMF), que
representa os soldados da Brigada Militar gaúcha, Leonel Lucas sustenta
que a formação dos policiais militares no Brasil é defasada e reproduz
uma metodologia conservadora. “Temos que mudar nossa metodologia, não
acabar com a instituição. Quem fará o trabalho que fazemos? Se acabar
com a Polícia Militar, outros agentes de segurança serão ensinados na
mesma metodologia. Eu acredito que é melhor incorporar as sugestões da
ONU na nossa prática”, diz. E complementa: “Nossos ensinamentos são
ultrapassados. A função da polícia é lidar com pessoas, abordar pessoas.
Para fazer isso temos que investir no ensino dos policiais e nas
instruções para respeitar os direitos humanos e não passar o dia
marchando, batendo continência e limpando os coturnos”, acusa.
Segundo
o policial militar, o incentivo à formação e a reformulação das
academias de polícia seria, ao invés do fim, um bom recomeço para as
instituições militares. “Temos que receber incentivo ao estudo. Fazer o
terceiro grau. Os cursos de sargento no Rio Grande do Sul tem práticas
de serviços gerais, como abrir buracos, carregar madeira e fazer faxina.
O que isso vai auxiliar para prestarmos um bom serviço para a
comunidade?”, indaga.
Já o presidente da
Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar,
Aparício Costa Santellano acredita que os casos de abuso são isolados e
não uma prática comum da corporação. “Não podemos generalizar e achar
que isso é a metodologia ensinada. Não é rotina e não compactuamos com
atuação de servidores neste sentido”, argumenta. Ele acredita que para
melhorar a segurança pública no Brasil o necessário é aumentar os
investimentos dos governos na área. “Não se faz segurança pública sem
grandes investimentos. É caro. A sociedade tem que ter esta compreensão e
cobrar para que isso aconteça”, salientou.
http://vidacaserna.blogspot.com.br/2012/06/para-especialistas-fim-da-pm-nao.html
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