Capitão Nascimento enfrenta mesmo uma “guerra” no Rio?

Por Wilheim Rodrigues

Macedo Lima
"Para certas pessoas a guerra é a cura.
A guerra funciona como uma válvula de escape." São essas as primeiras palavras do personagem Capitão Nascimento no trailer do filme Tropa de Elite 2. A partir daí começa uma descrição do Batalhão de Operações Especiais (Bope), elencando helicóptero, carro blindado (conhecido como “caveirão”) e tropas treinadas para matar. É o típico cenáriohollywoodiano de guerra. Com duas simples diferenças: não tem exército estadunidense e nem guerra no Rio de Janeiro.

Juridicamente falando, “só existe guerra quando há conflito armado entre exércitos de dois Estados”, afirma Gabriel Valladares, assessor jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), entidade de ajuda humanitária. Seria um erro, portanto, adotar tal classificação quando falamos do tráfico nas favelas cariocas. Nesse sentido, manchetes recentes como “Tráfico acirra guerra no Rio antes de ocupação do Bope” (Estado de S. Paulo) ou “Guerra do tráfico no RJ: 16 mortes no fim de semana” (Band News) são um desserviço, pois confundem ao invés de esclarecer.
E a confusão custa caro. A imprensa acaba legitimando o comportamento das Polícias Civil e Militar e o uso de armas e estratégias próprias de uma guerra, sem se lembrar de que tais atitudes só deveriam ser permitidas em um conflito internacional, com leis adequadas para regular esse tipo combate, como o Direito Internacional Humanitário (DIH). A mídia também deixa para segundo plano a discussão sobre a insuficiência do Estado, incapaz de proporcionar escolas, postos de saúde e saneamento básico; e o papel dos policiais, que deveriam preservar a ordem pública e prevenir o crime, e não ter como objetivo eliminar “inimigos” e pôr fim a “guerras”.
A principal dificuldade jornalística para escrever sobre o narcotráfico fluminense são as características dos conflitos. Houve 7107 mortes violentas de civis (média de 19 por dia) no Rio de Janeiro em 2009, sem contar cadáveres e ossadas encontrados pela Polícia, segundo o Instituto de Segurança Pública. No mesmo ano, a ONU afirmou que morreram 2412 civis (número três vezes menor) no Afeganistão, país em guerra e sob ocupação de exércitos estrangeiros. Além disso, nos conflitos entre policiais e traficantes dos morros cariocas usam-se helicópteros, veículos blindados, lança-granadas e metralhadoras de alto calibre. Não fosse o suficiente, o Estado, admita oficialmente ou não, é ausente na maior parte das favelas com altos índices de violência e têm menos acesso a tais locais do que entidades humanitárias como o CICV. A maioria dos territórios é controlada por milícias ou narcotraficantes.
Ou seja: o Rio apresenta número de mortes, armamento e ambiente típicos de uma guerra. Mas ter características parecidas não significa ser igual. De outra maneira, poderíamos usar apenas um nome e tratar com os mesmos remédios doenças causadas por bactérias, vírus e protozoários, quando apresentassem sintomas similares.

O resultado seria um enorme desastre. É o caso do Rio. Apesar de seus conflitos terem consequências semelhantes aos de uma guerra, isso não significa, em hipótese alguma, que o “tratamento” para ambos seja o mesmo, pois têm causas completamente diferentes. Um exemplo disso é a aplicação frequente e pouco eficaz de mandados de busca coletivo, que como diz o jornalista José Arbex Jr. “permite que os policiais tomem de assalto as residências dos favelados e transformem o morro inteiro num selvagem campo de batalha”, similar ao que acontece apenas em casos extremos de incursões de guerra, já que o DIH proíbe táticas que coloquem em risco a vida de grupos não-combatentes. A ineficiência é perceptível graças à desconfiança quanto à legitimidade da atuação policial nos morros e à pífia diminuição de 6 casos de mortes violentas, entre 2008 e 2009.

Em vez de engolir a situação dos morros fluminenses como uma “guerra” do tráfico (nomeação não usada pelo Ministério da Defesa e que existe basicamente na cabeça do Capitão Nascimento, em discurso de militares e políticos cariocas e em manchetes de jornal), os meios de comunicação cumpririam melhor sua função se questionassem como deve, de fato, ser definido, regulado e combatido o narcotráfico no Rio de Janeiro, além do limite legal das medidas para buscar uma solução.
Colaboração: Major Guedes, da Senasp.

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