"Em Diadema(SP) ela fez uma revolução entre 2001 e 2008"
A secretária nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina Miki, esteve mais uma vez em Alagoas, na semana que passou, para reuniões de avaliação do que já foi feito e dos passos futuros do programa Brasil Mais Seguro – Alagoas.
Logo de saída, uma singela revelação causa surpresa: a mulher que comanda a área federal de segurança pública não é uma policial. Regina Miki é advogada com mestrado em Direito Constitucional pela PUC/SP. Fez especialização em Direito de Família e Fundiário e em Políticas de Segurança Pública pela PUC/RS. Também atua como professora do Instituto de Segurança Pública da Fundação Santo André (SP) e da Escola Paulista de Direito.
Em Diadema, projeção nacional
A experiência que marcou sua vida pública foi como secretária de Defesa Social de Diadema (SP), entre 2001 e 2008. Ela fez uma revolução. Diadema era uma das cidades mais violentas de São Paulo. Nos sete anos de Regina Miki à frente da Defesa Social, houve redução de 78,61% nos homicídios da cidade. A queda da criminalidade foi premiada pela ONU, e a secretária se transformou numa quase unanimidade nacional.
Foi isso que atraiu a atenção do então ministro da Justiça, Tarso Genro, que em 2008 a convidou para o ministério. Depois de reativar e reestruturar o Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), como secretária-executiva, ela assumiu a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
Algemas na correntinha
Na entrevista que deu ao Tudo na Hora na manhã da sexta-feira (6), no saguão do segundo andar do Palácio República dos Palmares, Regina Miki falou sobre o plano de segurança de Alagoas (que ela disse ser "a menina dos olhos" da Senasp no momento), as reações corporativas e de gênero ao fato de ser mulher e não ser policial.
A secretária é uma mulher bem-humorada, gosta de rir, transmite simpatia. O corte de cabelo e o visual são inesperados para alguém em sua posição. Ela mesma se declara ousada e diz que um certo atrevimento é necessário, inclusive na gestão da segurança pública.
Vestindo calça jeans, blusa polo e calçando mocassins, ela dá a impressão de estar pronta para entrar em ação. Um detalhe chama a atenção do repórter e do fotógrafo Raul Plácido, que o registra: a fina correntinha de prata que a secretária traz no pescoço é enfeitada com dois pequeninos pingentes em forma de... um par de algemas e uma chave (ver detalhe na galeria de fotos). Vaidade feminina e orgulho profissional juntos por uma boa causa.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
– Secretária, nesses dez dias houve várias operações em Maceió, com muitas viaturas, sobrevôos de helicópteros e outros recursos. O impacto visual tem efeito psicológico importante. Mas o número de prisões, nessas operações, tem sido baixo em relação à expectativa. Isto já era esperado?
– A ideia nessas operações é dar ênfase à ostensividade, mostrar à população, e também aos criminosos, que a polícia está em ação nas ruas, com força e com uma forma nova de atuar. Nessa etapa do plano, o critério para as prisões é qualitativo, não quantitativo. As polícias vão em busca de cumprir os mandados de prisão acumulados, pegar aqueles que são “habituais” no crime.
– Qual é o efeito esperado sobre a população?
– É dar a sensação de segurança que o Estado tem a obrigação de dar. As pessoas têm o direito fundamental de se sentir seguras na rua, no trabalho, na escola, no lazer e dentro de casa. O fato de ver a polícia nas ruas, constatar que ela está atuando, abordando, ocupando áreas que antes eram dominadas pelo crime, tudo isso contribui para dar à população essa sensação de mais segurança.
– E qual é o efeito esperado sobre os bandidos?
– É inibir o crime. Estamos mandando o recado: é melhor que as pessoas comecem a pensar duas vezes, dez vezes antes de delinquir. Elas podem ter certeza de que as coisas mudaram em Alagoas. Não vale mais a pena cometer crimes aqui, e quem cometer vai se dar mal. Essa cultura de que não se pune crime em Alagoas, de que aqui é a terra da impunidade, é bom que fique claro: isso não existe mais, é página virada.
– O cumprimento dos mandados de prisão pendentes vai ser feito de que maneira?
– O que estamos fazendo primeiro é uma análise desses mandados, para verificar quem tem de ser preso o mais rápido possível. Procurar um acusado de furto e deixar na rua um homicida, por exemplo, não é o mais certo. Vamos atrás dos perigosos, dos chefes do crime.
- É como o médico no pronto-socorro, obrigado a escolher...
- Exato, se não tem vaga pra todo mundo na UTI, ele tem de escolher quem vai para lá, o doente mais grave.
– E os chamados criminosos do varejo, os crimes diários de rua? O que assusta o povo e dá sensação de insegurança é o assalto na rua, o roubo em casa, a saidinha de banco, o sequestro-relâmpago, o risco de estupro...
– A polícia está no encalço desses também, as prisões são feitas todos os dias. Agora, precisamos ter em mente uma realidade: o criminoso do varejo alimenta e fortalece o grande criminoso. O assalto e o roubo na rua sustentam a rede maior, a rede do crime organizado. O ladrão de rua assalta e compra droga, compra arma. Aí ele sustenta o grande criminoso. O policiamento vai atrás do pequeno, as prisões são feitas no dia a dia. Mas a inteligência policial tem de chegar aos grandes. E vamos chegar. Assim é que a violência em Alagoas vai diminuir.
- Secretária, é fato conhecido que em Alagoas, como em outros estados, há policiais envolvidos em crimes, inclusive no crime organizado. Como vai ser para limpar, depurar as polícias?
- É um trabalho que está entregue à Polícia Federal. São missões de inteligência. Vão dar resultados.
- A senhora não é uma policial, nunca foi uma policial operacional e comanda policiais. Isso não a torna uma "estranha no ninho"? A senhora tem percebido reações corporativistas?
- Não tenho sentido resistências. Isso até ajuda, porque eu não tenho problema em punir um policial, já que não sou de nenhuma corporação. Eu atuo sempre acreditando que o policial é o agente do estado democrático de direito, ela não pode ser um bandido travestido de polícia.
- Em nenhum momento a senhora se sentiu alvo de preconceito por ser mulher e não ser policial?
- Se isso houve, eu nem senti e está superado. O general Modesto, de quatro estrelas [general-de-exército Francisco Carlos Modesto, chefe do Comando Militar do Leste], quando nos conhecemos me disse: "Nós ficamos preocupados com a sua nomeação, mas a senhora nos conquistou".
- Pois é, isso mostra que houve resistência...
- (rindo) É, mas foi lá no início, depois foi superado. O que eu procuro transmitir é isenção. Não tenho compromisso com o que é errado, só com a política pública de segurança, para que seja bem-sucedida.
- As corregedorias da PM e da Polícia Civil, aqui e nos outros estados, são contaminadas pelo corporativismo. Como lidar com essa problema?
- Uma boa ideia que está em gestação em alguns estados é colocar a corregedoria vinculada diretamente ao gabinete do governador. Nãonénda PM nem da Civil, é do sistema de segurança. O corregedor não seria policial civil nem militar. Isso resolve vários problemas.
– E as vagas no sistema prisional?
– Seguindo essa política de buscar os chefes do crime organizado, nós temos a garantia de vagas no sistema prisional federal, em outros estados, para criminosos com esse perfil. Por exemplo, chefes de tráfico ou de grupos de extermínio.
– O combate ao tráfico de drogas terá ferramentas novas?
– Sim. Uma delas já está aqui, foi doada a Alagoas para entrar em operação. Chama-se cromatógrafo gasoso.
– O que é isso?
– É um equipamento que nos informa o DNA da droga. Cocaína, por exemplo. Com o cromatógrafo gasoso podemos identificar a origem da droga, saber a procedência, de onde vem determinada carga de cocaína, por exemplo, e assim com outras drogas.
- E as armas do crime, secretária? Não é segredo que em Alagoas, armas apreendidas, que estão sob custódia da polícia, de noite somem, vão "passear"...
- ... e voltam de manhã. É a "vela".
- Como assim? Vela?
- É como chamam no jargão policial. Vela, porque é usada à noite, no escuro.
- Essas armas são usadas em execuções sumárias, assaltos, e depois voltam para o lugar, nunca serão periciadas. Como se faz para acabar com isso?
- Inutilizando essas armas. O nosso trabalho aqui começa no depósito, fazendo a prova de eficiência das armas apreendidas. Separar as que atiram das inúteis, imprestáveis. As armas que ainda são eficientes e fazem parte de processos como provas, elas têm que ser inutilizadas para tiro. Basta um golpe para empenar o "cão", uma das peças dela, e pronto, aquela arma não serve mais para atirar, não vai matar mais ninguém, e preservamos as demais características, como ranhura, que a identificam como prova no processo. Tem que fazer isso com as armas apreendidas. Assim elas não vão mais servir de "vela".
– Como a senhora analisa o fato de que no primeiro fim de semana após o lançamento do Brasil Mais Seguro em Alagoas o número de homicídios foi reduzido em 50%?
– Esse fato não pode ser desprezado, ele tem um efeito positivo na população. Mas eu sempre tomo cuidado com trovoada em céu azul. Dá para visualizar que estamos no caminho certo. Essa redução de homicídios não foi em um fim de semana qualquer, foi num fim de semana atípico, de festejos juninos, quando sempre aumentam as ocorrências de crimes. Houve essa diminuição importante, mas para nós a luz vermelha está sempre acesa, nunca pode haver acomodação. Eu estou aqui em Alagoas com um único interesse: que o plano dê certo.
- Qual será a grande diferença nos novos métodos de ação policial?
- É principalmente a análise criminal, o uso de métodos científicos, de estatísticas para dirigir as ações. São os dados dos homicídios: quem mata mais, quem morre mais, e por quê. De posse dessa análise, teremos um diagnóstico e vamos direcionar melhor a ação policial. Vamos ter um policiamento voltado para o problema. A escala vai ter um novo critério. O policial vai trabalhar nos locais e nas horas em que houver mais ocorrências. Se for o Vergel, por exemplo, é preciso levar em conta as circunstâncias locais: é um aglomerado grande de pessoas em situação social e financeira difícil. É um componente que não pode ser deixado de lado.
- Haverá recursos humanos qualificados para dar suporte técnico à análise criminal?
- Uma pessoa especializada em análise criminal está vindo para Alagoas e vai passar três meses aqui, trabalhando nisso. É uma pessoa que acabou de fazer mestrado sobre as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora] do Rio de Janeiro.
- Essa pessoa já está escolhida?
- Já. Aliás, é uma mulher. É o que eu digo sempre: as mulheres vão conquistar o mundo! Demora um pouco porque estamos escolhendo bolsa, sapato... (risos) Só falta isso, o modelito.
Fonte: tudonahora
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