Agora, os policiais é que são escolhidos para o papel de "bode expiatório" de tanta omissão.
É evidente que, quando setores da sociedade e do governo, ingênua ou hipocritamente, ao invés de atacarem as
verdadeiras e bem conhecidas causas da violência urbana, preferem, numa
atitude simplista, eleger o policial como bode-expiatório, e
negando-lhe o reconhecimento pelo seu corajoso e dedicado esforço, e
ainda as ideais condições de vida e de trabalho, estão, na verdade,
comprometendo a auto-estima desse profissional, tão necessária à
melhoria do homem, do serviço, da instituição e da própria sociedade:
" POLÍCIA, SOCIEDADE E CRIMINALIDADE.
Coronel Carlos Alberto de Camargo
Comandante-Geral da PMESP
(publicado no jornal FOLHA DE SÃO PAULO, edição de 30 de abril de 1998)
Quanto mais a polícia trabalha, mais mostra à sociedade que o problema da violência não depende só dela.
Mais do que regime de governo, a Democracia é o equilíbrio conquistado
pela própria sociedade, harmonizando interesses contraditórios.
A
discussão democrática sobre temas de interesse social é indispensável
para esse equilíbrio, promovendo a necessária sinergia, na qual até as
opiniões contrárias somem, na busca do bem comum. É dessa forma que
devemos discutir a questão da violência urbana, fugindo de posturas
maniqueístas, preconceituosas e perigosas ao interesse social.
Na
análise da violência que perturba a vida nas cidades, as pessoas,
algumas vezes, acabam limitadas ao raciocínio puramente aritmético: o
maior ou o menor número de policiais nas ruas.
Não há dúvidas sobre a
importância da presença física do policial para a prevenção do delito,
mas um projeto de controle da criminalidade que se fundamente apenas em
aumentar cada vez mais o número de policiais estará fadado ao insucesso.
O delinquente não muda de vida quando vê um policial. Ele muda de
local, horário ou modo de agir.
Uma pergunta, todavia, tem sido
sistematicamente esquecida, embora, pela sua importância, devesse mesmo
tornar-se o centro de toda a discussão: o que tem levado quantidade cada
vez maior de indivíduos a cometer ilícitos?
A sociedade brasileira
ainda não conseguiu consolidar o espírito de vida coletiva, onde haja
rotineira participação construtiva, solidária e interessada de todos em
projetos que busquem objetivos comunitários, com disposição de somar
esforços e renúncia ao individualismo exacerbado.
Somos, ao
contrário, uma sociedade que cultiva o individualismo, na qual as
pessoas sequer se conhecem nas próprias ruas e prédios onde moram.
A
acirrada competição, por outro lado, acaba estimulando constantes
violações às normas que regulam a vida social. O brasileiro já banalizou
a violação de normas, muitos incorporando essa prática à sua rotina de
vida, como forma de obter vantagens.
E a própria violência está
banalizada em determinados locais, onde as pessoas já não se chocam com
ela, mas a adotam como situação natural.
O descrédito em
instituições como governo, justiça, legislativo, polícia, sistema
carcerário etc., responsáveis por orientar a vida dos cidadãos, leva a
um comportamento alternativo, pelo qual as pessoas buscam soluções
individualistas para problemas que deveriam ser solucionados tendo em
vista o interesse coletivo.
A ausência de políticas públicas capazes
de promover a recuperação dos locais deteriorados das cidades e a
desorientação da juventude são dois dos maiores problemas.
Nesse
vácuo de ação dos organismos oficiais, vem o crescimento urbano
desordenado, em que enormes contingentes de migrantes aglomeram-se nas
periferias das metrópoles, sem emprego ou subempregados, desprovidos de
educação, habitação, saúde, higiene básica, transportes eficientes etc.
Tal situação, em si, já traz um conteúdo de degradação gerador de
violência.
Ocorrido o delito esbarra-se na lentidão dos processos
judiciais e em seguida na incapacidade física do sistema prisional,
insuficiente para abrigar o crescente número de apenados, o que poderia
ser amenizado com a aplicação de penas alternativas, mas não ocorre pela
deficiência estatal e desorganização da sociedade. Disso tudo resulta a
generalizada sensação de impunidade. A ausência de punições capazes de
inibir a prática do crime acaba por incentivá-lo.
Cabe lembrar que
só a quantidade de desempregados existente na Grande São Paulo é maior
do que a população de muitas das principais cidades do mundo.
A tudo
isso soma-se a quantidade imensa de armas em circulação, a devastação
proporcionada pelos entorpecentes, especialmente o "crack", a debilidade
do sistema educacional, a crise de autoridade na família e o excesso de
violência na programação das televisões.
Nesse particular tem sido
preocupante o número de ocorrências envolvendo menores na prática de
homicídios e assaltos. As velhas técnicas das “trombadas” e dos pequenos
furtos estão sendo substituídas pelos crimes de alto poder ofensivo,
exigindo da sociedade e do governo reflexão sobre a atualidade e o
futuro dos jovens.
É preciso urgentemente encarar, sem hipocrisia, o
problema da criminalidade juvenil. Os presos de 18 anos atualmente não
são mais iniciantes, pois, não tendo recebido os valores e crenças de
uma educação sadia, desde criança cairam na marginalidade.
Bem por
isso, as crianças e os adolescentes estão se transformando em massa de
manobra dos dois principais grupos de criminosos: os traficantes e os
receptadores, molas mestras do crime contra o patrimônio e, de forma
colateral, contra a vida. Para estes, autênticos empresários da
violência, a legislação penal vigente é ineficaz, pois, concebida na
década de 1940, era destinada ao criminoso oportunista.
Malgrado a
conjuntura social adversa para um trabalho eficaz, a polícia muito tem
se esforçado na busca do seu aperfeiçoamento e na constância de sua
presença, através do policiamento comunitário e de inúmeras ações de
policiamento. Na última década a polícia bateu recorde de prisões em
flagrante, de capturas de presos condenados, de apreensão de armas e de
intervenções, a exemplo de revistas pessoais, vistorias em autos etc. É
claro que medir a eficácia da prevenção é difícil porque não é possível
saber quantos delitos deixaram de ser praticados em razão da presença
policial, deduzindo-se, porém, que a atuação mais efetiva da polícia
impediu o acontecimento de índices criminais ainda maiores. Pode ser
paradoxal, mas quanto mais a polícia trabalha, mais ela demonstra à
sociedade que o problema da violência não depende somente dela e, antes
de tudo, deve ser atacado nas suas causas.
*CARLOS ALBERTO CAMARGO FOI MEU COMANDANTE DE COMPANHIA NA ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR DO BARRO BRANCO EM 1983. (CEL COSTA JR.)
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