Marcos Rolim
Sempre é bom ver políticos defendendo uma ideia. Ainda que seja só uma e de natureza conservadora.
Mas poderíamos combinar algumas coisas.
Primeiro: sempre que alguém fizer
afirmação sobre relações causais deve indicar sua fonte. Desta forma,
é possível checar os dados, avaliar a metodologia empregada e saber
até que ponto as conclusões agregam consenso científico. Se não for
assim, só o que se estimula é o medo e o preconceito, o que termina
por interditar o debate, ao invés de promovê-lo.
O “Manifesto
contra a descriminalização das drogas”, divulgado esta semana e
assinado por políticos, entidades médicas e religiosas é - independente
da intenção de seus autores – uma peça em favor da interdição do
debate e em nenhum momento um convite à reflexão. Ele faz muitas
afirmações, mas não indica uma só referência. Diz, por exemplo, que a
experiência de Portugal – que descriminalizou a posse de drogas em
2001 - é um fracasso.
Talvez seja. Mas aquele que é, possivelmente, o
mais amplo estudo sobre esta experiência, o Relatório do Cato Institute, dos EUA - “Drug Decriminalization in Portugal: Lessons for Creating Fair and Successful Drug Policies”, disponível em http://migre.me/a41Z3,
sustenta precisamente o contrário. Em 2001, a direita portuguesa
afirmava que a descriminalização iria abrir as portas para o
“narcoturismo” e que o consumo aumentaria (na linha do que dizem hoje,
por exemplo, sábios como Reynaldo Azevedo).
O relatório Cato revelou
que, nos primeiros cinco anos após a descriminalização, o uso de
drogas ilícitas entre adolescentes em Portugal diminuiu, as taxas de
infecções por HIV causadas por compartilhamento de seringas caíram,
enquanto o número de pessoas em tratamento para dependência mais do
que duplicou.
Neste ponto, o Manifesto critica Portugal por ter mais
dependentes em tratamento do que os demais países europeus, sem se dar
conta de que, quando não há o crime de uso de drogas, os usuários se
aproximam muito mais do sistema de saúde. Aliás, os recursos poupados
com as sanções aos usuários em Portugal permitiram financiar mais
programas de tratamento aos dependentes. O que – segundo matéria de
Maia Szalavitz na Time Science – “Drugs in Portugal: Did Decriminalization Work?”, disponível em http://migre.me/a41Ho - foi
reconhecido pelo “Czar das drogas” em Portugal, João Castel-Branco
Goulão, presidente do Instituto da Droga e Dependência Química, para
quem “a polícia está agora em condições de focar suas ações no
monitoramento de traficantes”.
O
Manifesto afirma, também, que “boa parte” (sic) dos acidentes no
trânsito é produzida por pessoas “sob o efeito de maconha, cocaína”,
etc. Novamente, não há referência e nem ficamos sabendo o quanto é uma
“boa parte”. Uau! E eu que achava que a esmagadora maioria dos
acidentes era causada por motoristas alcoolizados.
Este deve ser o meu
problema: por ingenuidade, sigo achando que o álcool é problema mais
sério do que todas as drogas ilegais juntas e que deveríamos já, há
muito, ter proibido a propaganda de bebidas alcoólicas no Brasil.
Bem,
mas para uma medida simples assim, talvez nos faltem senadores e
deputados e sobrem financiadores de campanha.
http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=851&Itemid=3
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