Estudo busca qualificar controle sobre uso da força policial no país

Projeto de Senasp e PNUD busca abastecer políticas que insiram o conceito de Direitos Humanos dentro das corporações | Foto: Ramiro Furquim / Sul21
Rachel Duarte
O Ministério da Justiça lançou uma pesquisa sobre a regulação do uso da força pelas polícias militares. Realizada pelo Instituto Sou da Paz ao longo do ano passado, com base na atuação das polícias de São Paulo e Pernambuco, o estudo sugere recomendações para evitar abusos de policiais militares em todo país. A iniciativa faz parte do projeto ‘Pensando a Segurança Pública’, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A intenção é criar políticas públicas que envolvam os Direitos Humanos na formação das polícias herdadas do regime repressivo, buscando reduzir a letalidade do estado.
De acordo com a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, as pesquisas estão direcionadas diretamente às instituições policiais e integram o Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinesp), uma espécie de SUS da segurança criado no governo Dilma. “Achamos importante os indicadores numéricos que temos por meio de acesso a diversos bancos de dados do país, mas acreditamos que a questão qualitativa é mais importante. A pesquisa a partir destes dados analisa o quão necessário é a indução de determinada política pública na área da segurança”, fala.
O estudo também auxiliou o governo federal a monitorar o cumprimento da Portaria 4226, lançada em dezembro de 2010 para regular o uso da força policial. A portaria foi uma resposta do governo brasileiro à recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) para reduzir a letalidade do estado na atuação das forças de segurança no país. “O conceito que adotávamos era de ‘uso progressivo’ da força, o que já pressupõe uma escala permissiva de força do agente. Nós passamos a adotar ‘uso diferenciado’ para que a força seja utilizada apenas em situações que exijam o emprego dela”, salienta a secretária Regina Miki.
O texto da portaria foi baseado no Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação das Leis, adotado no Congresso das Nações Unidas em Havana (Cuba), em 1999, com vista a alcançar uma polícia em defesa do cidadão e não em combate com o cidadão. “O nosso papel agora foi pesquisar para saber se as polícias estão sendo capacitadas para usar a força de forma diferenciada. Não queríamos apontar quem é a polícia mais violenta do país, mas se a portaria não está ficando só no papel“, argumenta Regina.
Ainda que dados da pesquisa tomem como base SP e PE, coordenadora garante que recomendações são aplicáveis a todos os estados brasileiros | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
São Paulo tem polícia mais violenta do país
Segundo a pesquisa “Regulação Sobre Uso da Força Policial” não há controle do trabalho cotidiano dos policiais, faltam documentos de registros de atividades da polícia e, apesar de algumas polícias terem melhor estrutura, as abordagens nem sempre utilizam a primeira e principal arma para mediar conflitos: a verbalização. “Quanto mais o policial tiver que prestar contas, menos chance ele terá de praticar algum abuso. Os policiais passam por formações muito básicas, precisam de formação cotidiana que requer mais investimento do Estado e tempo dos sargentos para coordenar este trabalho”, diz a coordenadora do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.
Segundo ela, a escolha por Pernambuco e São Paulo foi para tentar abranger o todo do país, pegando as principais regiões – Nordeste, Sudeste e Sul. O Rio Grande do Sul, porém, ficou de fora por falta de recursos da entidade. Mas Carolina Ricardo diz que as recomendações feitas na pesquisa são para as polícias militares de todo país. “O uso da força não é só letal. Partimos do pressuposto de que todo trabalho da polícia, mesmo sem arma, pressupõe o uso da força. É uma visão que ainda precisa ser consolidada por Estado, academia e mídia”, afirma.
O uso da força tem vários níveis, diz Carolina. O policial fardado na rua já é uma postura de força e pode inibir algumas ações. A força verbal também é considerada força, assim como as técnicas de imobilização. Armas não-letais (taser) e armas letais seriam os demais graus de força utilizados pela polícia. “Quanto mais o policial está bem preparado para entender a amplitude de sua força, mais condições ele tem para fazer uma ronda bem feita, maior a sua capacidade de verbalizar de forma correta e ponderada com as pessoas e maior é a capacidade de mediar um conflito na verbalização sem usar um nível a mais de força”, alega a coordenadora.
Os dados gerais sobre pessoas mortas em confrontos policiais não foram repassados pela Senasp. Porém, uma dimensão sobre a realidade do país é possível perceber nos dados da pesquisa do Instituto Sou da Paz sobre São Paulo. A maior metrópole do país tem também uma das polícias mais violentas. De 2004 a 2011, mais de 3,5 mil pessoas foram mortas em confronto com a Polícia Militar de São Paulo. Os números absolutos de mortos pela PM apontam para uma queda entre 2004 e 2008 (com pico de aumento em 2006, anos dos ataques do crime organizado), seguida de um aumento em 2009 e a manutenção em patamares ainda elevados entre 2010 e 2011.
Regina Miki: “As Corregedorias das PMs devem ser mais atuantes, isso dará certeza de que as normas são cumpridas” | Hesíodo Góes/Flickr
Ainda que na pesquisa não tenha sido realizada uma análise detalhada da letalidade nas ações policiais no Brasil, o estudo ressalta que este problema no Brasil também está relacionado à cultura e ao descontrole do uso da força. “O policial é recrutado primeiro na sociedade, enquanto cidadão. Se a nossa cultura é preconceituosa, racista e intolerante, o nosso policial poderá apresentar esta conduta. É a cultura que tem que mudar. Nunca conseguiremos cercar as ocorrências que envolvem policiais. Cada uma tem uma realidade diferente”, diz a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki.
Formação policial, abertura de dados das Corregedorias e fim do auto de resistência 
Segundo ela, a pesquisa apontou para caminhos essenciais que o governo federal seguirá para reduzir o número de mortes em confronto com as forças de segurança. “Ainda não existe capacitação no sentido de direitos humanos e uso da força de forma diferenciada. Vamos trabalhar nisso. As Corregedorias das PMs devem ser mais atuantes, isso dará certeza de que as normas são cumpridas. Não precisa ser uma Corregedoria punitiva, mas com atuação preventiva para alertar que determinadas condutas são crime”, afirma.
Com base nas dificuldades de acesso aos dados da Corregedoria da PM de São Paulo, a coordenadora do Instituto Sou da Paz afirma que é necessário adotar um controle das práticas policiais maior, com normas bem transparentes para serem seguidas. “Nos casos de força letal envolvendo policial é fundamental criar um procedimento claro. Quem atenderá a ocorrência? Quem apurarár o que aconteceu? A preservação do local do crime é vital. As viaturas devem ter sistema de monitoramento computadorizado e também é necessário um programa de atendimento psicológico. São recomendações que servem para todas as polícias”, defende.
A Senasp encaminhou projeto de lei para apreciação do Congresso Nacional, com previsão de votação para a próxima semana, que prevê alterações no Código Penal. A intenção é que os termos “auto de resistência” e “resistência seguida de morte” não integrem mais os boletins de ocorrência. “Geralmente quando existe auto de resistência possivelmente envolve policiais. Mas geralmente há uma pessoa morta. Portanto, queremos obrigar que a ocorrência seja apurada pelo Judiciário e não simplesmente ocorra o arquivamento de um processo por entender que a morte do autor de uma resistência é que foi consumada. Com isso queremos levar toda e qualquer ocorrência de homicídio para o judiciário. Daremos o direito ao contraditório para o policial, enfim, será tratado como um processo de homicídio”, afirma Regina Miki.

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