Extraído de http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2013/11/1376013-o-critico-de-bolso-bacana.shtml em 25/11/2013. 12:00h.
Um dos traços essenciais de nossa
psicologia é que queremos ser aceitos. Muitos filósofos, entre eles Adam
Smith (1723-1790), diziam que nossa imaginação é constantemente presa à
inquietação de como somos vistos pelos outros, fato este que é parte
saudável da vida moral social, mas que também facilmente degenera numa
angústia de dependência afetiva destruidora da autonomia.
Uma das formas mais seguras de se sentir
aceito pelo grupo é desenvolver opiniões de rebanho. No fundo, temos
horror a sermos recusados pelo bando, mas, hoje em dia, esse desejo de
agradar é avassalador.
As redes sociais e sua mesmice brega,
espaço de repetição do irrelevante, são prova de nossa condição de
rebanho como pilar da (in)segurança psicológica.
As redes sociais criaram um novo perfil, o
do crítico de bolso em versão pós-moderninha. O sonho dessa moçada, que
se afoga na irrelevância e no desespero do anonimato cotidiano (que
assola todos nós), é ter opiniões sobre as coisas, mas acaba mesmo
falando da pizza que comeu ontem ou xingando os inimigos de plantão. O
sonho de muitas dessas pessoas é frequentar jantares inteligentes nos
quais gente bacana emite opiniões bacanas.
A forma mais fácil de frequentar jantares
inteligentes é atacar a igreja, os EUA e a polícia. Mais sofisticado,
mas que também garante acesso aos jantares inteligentes das zonas oeste e
sul de São Paulo, é dizer que “o modelo social está ultrapassado”. Esta
frase leva algumas pessoas ao orgasmo (risadas?).
“O modelo social está ultrapassado” é a
típica frase de quem quer se passar por crítico (mas, na realidade, é
crítico de bolso), porque é a sociedade de mercado (ou como dizia Adam
Smith, “commercial society”), a mesma que os comunistas chamam de
“capitalismo”, que nos retirou da miséria que é o estado natural da vida
(e à qual voltamos rapidinho se o Brasil virar a Venezuela de Chávez e
Maduro).
Toda riqueza que sustenta esse povo de
jantares inteligentes, a começar pelo “bom vinho em conta”, é fruto do
mesmo modelo que consideram ultrapassado.
Aqui e ali, faça uma caricatura de quem
você não consegue enfrentar porque lhe falta repertório conceitual. Diga
que são racistas, “sequicistas” e homófobos. Conte, fingindo segredo,
que seu filho é do círculo íntimo dos “maravilhosos” meninos do MPL e
que sua filha é (incrível!!) black bloc, mas nunca bateu em ninguém.
Assim você chegará à sobremesa (leve,
pois em jantares inteligentes ninguém quer engordar, porque sabe que os
parceiros de jantares inteligentes são pessoas muito críticas) com
segurança, sem dizer nada que ponha em risco sua cidadania de gente
bacana.
Mas o que marca essa gente bacana é que
na verdade nunca fala, nem tem contato real, com as pessoas fora das
escolas de R$ 3.000 que paga para os seus filhos críticos desde os cinco
anos de idade frequentarem, ou do seu círculo profissional chique e/ou
da praia chique onde tem sua casa de praia típica de praias chiques.
O problema, quando você é um cidadão de
jantares inteligentes, é que você acaba mesmo alienado e acreditando nas
suas próprias críticas de bolso. Mas vamos ao que interessa. Vamos
falar de um dos tópicos que autorizam você a se achar bacana e a
frequentar jantares inteligentes: a polícia.
Outro dia, por acaso, conversei por cerca
de três horas com um policial militar aposentado do Estado de São
Paulo. Muito instrutivo, uma vez que sou egresso do mundo de gente
bacana, que, portanto, nada sabe acerca do mundo real.
Ele definia sua classe como aquela que
vive com a “mão no lixo” que essa gente bacana nunca vê de fato -a não
ser quando resolve fazer ensaios fotográficos sobre “injustiça social”.
Reclama de como eles são invisíveis e de como a sociedade, na sua
maioria, os considera parte do lixo. Um sofrimento profundo, devido a
essa invisibilidade, marcava seu rosto de solitário. A polícia é um dos
setores mais maltratados da sociedade, apesar de essencial.
Essa gente bacana sai correndo do jantar
inteligente para o carro, com medo, sonhando com um baseado e uma bike
em Amsterdã nas férias.
Texto de Luiz Felipe Pondé.
Pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP,
pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor
da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo,
religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles,
“Contra um mundo melhor” (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão
impressa de “Ilustrada”.
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