-----------------------Angelina Anjos (*) ------------------
Sociedade sem prisões
Assim e como conseqüência a questão
penitenciária no Brasil é caso de política pública, neste meio, não
somente se viola direitos dos apenados, como dos trabalhadores
penitenciários.
Há duas semanas a TV Record exibiu uma série de reportagens,
realizada pelo jornalista Luis Carlos Azenha, onde ficam evidentes as
graves e inúmeras formas de transformar gente em coisa nenhuma.
Desde início do século XX, a prisões brasileiras já apresentavam
precariedade de condições, superlotação e o problema da não-separação
entre presos condenados e aqueles que eram mantidos sob custódia durante
a instrução criminal.
Em 1940, é publicado através de Decreto-lei o atual Código Penal,
é o 3º da história do Brasil e o mais longo em vigência, os anteriores
foram os de 1830 e 1890, o qual trazia várias inovações e tinha por
princípio a moderação por parte do poder punitivo do Estado.
Entretanto, a situação prisional já era tratada com descaso pelo
Poder Público e já era observado àquela época o problema das
superlotações das prisões, da promiscuidade entre os detentos, do
desrespeito aos princípios de relacionamento humano e da falta de
aconselhamento e orientação do preso visando sua regeneração.
A tentativa de constituir um código que estabelecesse as normas
relativas ao direito penitenciário no Brasil vem de longa data. Em 1983 é
aprovado o projeto de lei do Ministro da Justiça Ibrahim Abi Hackel, o
qual se converteu na Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984, a atual e
vigente Lei de Execução Penal.
Indubitavelmente a Lei de Execução penal é moderna e avançada, se
baseia na efetivação da execução penal como sendo forma de preservação
dos bens jurídicos e de reincorporação do homem que praticou um delito à
comunidade. Estão estabelecidas as normas fundamentais que regerão os
direitos e obrigações do sentenciado no curso da execução da pena.
Constitui-se na Carta Magna dos presos, tendo como finalidade precípua a
de atuar como um instrumento de preparação para o retorno ao convívio
social do recluso.
O juiz Douglas Martins, do Conselho Nacional de Justiça, atribui
como uma das causas da tragédia ocorrida em outubro de 2013, no Complexo
Penitenciário de Pedrinhas, Estado do Maranhão, à centralização da
execução penal, que deixou um saldo de nove detentos mortos e vinte
feridos e levou pânico às ruas da cidade, com atos de vandalismo.
A causa dessas e outras rebeliões país afora é responsabilidade
da elite política que norteia as necessidades humanas conforme seu
umbigo. A disciplina do corpo e da mente, que não vem como fruto maduro
das razões da consciência, gera insatisfações e rebeldia e não
responsabilidades e solidariedade. Quem provoca o protesto popular é o
poder dominante das classes que exploram ao invés de bem governar, ou de
atribuir para tal, procurando transformar a sociedade contraditória e
conflitante em sociedade justa porque contemporânea nas aspirações.
Ora, a ideia do conforto se universalizou e não admite mais esses
abismos entre a riqueza de minoria que esbanja e afronta e a miséria
comum que degrada e infelicita. Em desesperos oriundos de promessas e de
obrigações oficiais não cumpridas, certas tragédias vilipendiam e matam
a vida do próximo, pois, a vida perdeu o caráter da existência com
humanidade. Quando o solo é fértil de injustiça a desordem cresce como
capim.
Presos se amontoam em celas minúsculas, sendo a superlotação
carcerária a pior chaga do sistema penitenciário. Isso significa que é
impossível haver, inclusive, o revezamento para dormir ou sentar.
Essas pessoas estão sendo tratadas sem o mínimo de condições de sobrevivência.
Em confinamento, convém lembrar que a pessoa que está presa, que
está cumprindo pena restritiva de liberdade tem o direito de ser tratada
– por aqueles que detêm a função administrativa prisional, pelos
representantes do Poder Judiciário, pelos governantes e pela sociedade
em geral – com respeito e dignidade, haja vista o que reza o artigo 38
do Código Penal e o artigo 5º, XLIX, da Constituição Federal: “é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.
Se quisermos conhecer profundamente um governo será necessária
uma fotografia dos presídios geridos por este, mais cedo ou mais tarde o
preso será libertado e seu comportamento será o reflexo do tratamento a
que foi submetido enquanto esteve sob a custódia do Estado com nossa
aprovação, ou pior, com nossa indiferença.
A sociedade que a elite brasileira está gestando é a que abre mão
de sua cidadania quando repete o discurso insistentemente reproduzido
com a célebre afirmação: “Bandido bom é bandido morto” ou criminalizando
os direitos humanos. Fomenta a barbárie e uma sociedade cada vez mais
distante da equidade.
Frente à barbárie das execuções cometidas nos presídios, às
torturas, ao sofrimento de seu semelhante, o antídoto ainda é indenizar
uma família – se isso é possível – por seu filho decapitado dentro
daquela unidade prisional que se propôs, legalmente, a devolvê-lo
ressocializado, apto ao convívio social.
A questão penitenciária não é de interesse apenas dos familiares e
trabalhadores penitenciários, não podendo ser concebida como um mundo
distante alheio a toda sociedade. Inadmissível aceitar com naturalidade a
morte violenta de milhares de jovens e/ou pais de família, impossível
compreender que corpos sejam jogados aos pedaços muralha abaixo dos
estabelecimentos carcerários ou carregados em carrinhos de mão.
Uma sociedade sem prisões só será possível quando não se
compactuar com crianças esmolando, meninos e meninas se prostituindo,
pois, enquanto for considerada normal que a única perspectiva destas
crianças seja a vulnerabilidade, se estará fazendo parte da imensa massa
de “coisificadores” da condição humana.
O Brasil não se engrandecerá nacionalmente sem a suprema coragem
da leal confissão, evidente por si mesma. E quando o erro é solar, a
solução não é partidária, mas patriótica, pensando na Pátria sedenta de
liberdade e repensando no povo faminto de justiça, para que as
instituições nacionais tenham legalidade na legitimidade e renovação na
continuidade.
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*Angelina Anjos é
assistente social, militante da luta pelos direitos humanos, membro do
Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça e filiada ao Partido
Comunista do Brasil no Pará
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