ALAGOAS: “A MORTE NÃO CAUSA MAIS ESPANTO”


Por: » PEDRO MONTENEGRO - advogado, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Nos últimos trinta anos, segundo o Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, o Brasil contabilizou a funesta cifra de 1.091.125 homicídios, passando de 13.910 homicídios em 1980 para 49.932 em 2010, uma elevação de 259%.

Em Alagoas, segundo o Mapa da Violência da lavra do renomado sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, no primeiro mandato do governador Teotonio Vilela foram registrados 7.682 homicídios.

Os indicadores das taxas de homicídios por si denotam a dramaticidade inclemente da situação alagoana. Entretanto, quando observamos o padrão desigual e seletivo dos homicídios em Alagoas, essa dramaticidade apresenta contornos ainda mais perversos e inaceitáveis. O índice de vitimização de jovens negros é de 80,5 homicídios para cada 100 mil negros, ou seja, em Alagoas a proporção de homicídios é de um branco para cada 18 negros. Em Maceió, essa proporção é ainda mais escandalosa: para cada branco assassinado, 26 negros são vitimados.

Seguindo esse persistente quadro epidêmico de violência homicida em Alagoas, o mês de janeiro passado, segundo os dados oficiais da Secretaria de Estado da Defesa Social, registrou a alarmante taxa diária de 6,22 homicídios por dia. Isso implica que cotidianamente assistimos às cenas da barbárie alagoana registradas pelas lentes das câmeras dos meios de comunicação quase que instantaneamente. O preocupante é que, parafraseando os Titãs, essas mortes já não causam mais espanto.

A famosa escritora americana Susan Sontag alerta para o fato de que ao “mostrar um inferno não significa, está claro, dizer-nos algo sobre como retirar as pessoas do inferno”.

As explicações pálidas sobre os crimes ocorridos em janeiro em Alagoas, reiteradas tal qual um mantra pela cúpula da segurança pública se dão no contexto de luta pelo monopólio da nomeação legítima da ação. Trata-se de um esforço teórico e prático pelo poder de conservar o mundo social, conservando as categorias de percepção desse mundo. O festejado sociólogo francês Pierre Bourdieu abordou com maestria peculiar essas questões na sua obra: o poder simbólico.

Uma política pública pressupõe um conjunto de iniciativas sistemáticas realizadas pelo poder público com o objetivo de modificar uma realidade considerada problemática. Neste sentido, minimizar, mitigar, relativizar e/ou simplificar o grave quadro epidêmico dos homicídios em Alagoas, bem como as suas causas e as suas soluções, pode até servir à constituição de um poder simbólico legitimador da política de segurança pública, mas certamente não colabora para a efetivação da garantia a todos alagoanos de um dos axiomas basilares do Estado de Direito Democrático, qual seja, “Ninguém pode ser arbitrariamente privado de sua vida”.

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